Li nestas férias um romance
da autora Donna Tartt (vencedora do prêmio Pulitzer) chamado O Pintassilgo
(2014). O nome do livro faz referência a uma pintura de um artista holandês
chamado Carel Fabritius (1622-1654), discípulo de Rembrandt e mestre de
Vermeer. Faleceu numa explosão aos 32 anos. A tela está exposta no museu
Mauritshuis, em Haia - Holanda (após o sucesso do livro, o quadro passou a ser
um dos mais procurados no museu).
A
história é narrada pelo personagem principal Theo Decker dos 13 até seus 27
anos, a trama se inicia com um atentado
terrorista que acontece no Museu Metropolitan (NY), onde Theo e sua mãe
estavam. A tragédia acaba por levar a morte da mãe e o envolvimento de Theo com
a famosa pintura do Pintassilgo, da qual sua mãe tinha um grande apreço.
O
livro explora as dores do ser humano, principalmente as perdas em nossas vidas,
e da forma como, às vezes, acabamos cambaleando dentro da nossa existência, sem
saber o motivo de ainda estarmos vivos.
O
enredo segue com personagens que vão adquirindo grande importância para a vida
de Theo e que direta ou indiretamente o acompanham até o final da trama.
Praticamente todos eles com um mal que assola a humanidade nos dias atuais
"Os transtornos mentais" tais como: TEPT (Transtorno pós-traumático),
depressão, bipolaridade, alcoolismo e as drogas.
Além
da profundidade que a autora consegue discorrer sobre as vicissitudes da alma
humana, o que mais me chamou a atenção foi a saga que acompanha Theo e a tela do
Pintassilgo, a forma que ele se manteve ligado a ela (a pintura foi a última
lembrança com sua mãe viva) o levou a muitas loucuras e sofrimentos, tornando-o
prisioneiro da sua própria vida. Seu apego
aconteceu da mesma forma que nós em muitos momentos nos apegamos e
protegemos as últimas lembranças de pessoas que foram importantes em nossas
vidas, entes queridos que já se foram ou alguma situação ou época de nossas
vidas em que nos sentíamos felizes e plenos. Nos agarramos tal e qual a uma
tábua de salvação.
A
trama mostra o quanto isso é em vão, o quanto as lembranças e a (falsa)
segurança de guardar algo pode em muitas circunstâncias nos aprisionar e
impedir de dar seguimento a nossas vidas.
Falo
das imagens que salvamos em nosso HD mental, por exemplo: éramos felizes
naquela época ou com aquela pessoa, ou naquele emprego... Penso que ao
gastarmos energia e tempo para preservar tais lembranças (às vezes a deixamos
até mais bonita do que realmente foi) acabamos por abandonar o aqui e agora do
que de fato estamos vivendo.
E
quando prestamos atenção na pintura tão famosa do "Pintassilgo"
percebemos que ele está acorrentado em seu poleiro. Significativo não é mesmo?
Quem
tem o hábito da leitura sabe o quanto nos sentimos órfãos dos personagens que
nos acompanharam por alguns dias, eu pelo menos fico revivendo cada detalhe da
vida de cada um, suas alegrias, tristezas e angustias. Embora seja um romance,
o livro estaria muito melhor classificado em drama... Drama da vida real, onde
a solidão é expressa de uma forma tão intensa que mexe com as nossas próprias
dores da existência.
A
autora não criou nem mocinha e nem bandido, e ninguém para ser salvo por
ninguém, pois cada um está a sua maneira tentando sobreviver.
Para
mim é o real segredo da vida. O livro me trouxe essa verdade de uma forma tão
declarada que num primeiro momento me deixou um pouco desolada, pois
inconscientemente ou conscientemente eu queira ver alguém salvando Theo ou
dando sentido para a vida daquele pobre ser humano.
Mas
não... Cada um de nós está acorrentado à própria vida, ninguém tem como salvar
ninguém. O Pintassilgo, esse sim foi colocado lá por alguém, mas será que sendo
livre conseguiria sobreviver? E quando temos a impressão de que alguém nos
acorrentou, será que não permitimos? Quais ganhos secundários se têm com nossa
prisão psíquica e às vezes até física?
Em
alguns momentos percebo que Theo fez o que todo ser humano em determinado
momento da vida faz... Corre desesperado por uma migalha de amor e de
atenção... Ele como qualquer ser humano quer ser cuidado.
Mas
essa tarefa só cabe a ele, mas ainda assim, passei 720 páginas torcendo para
que alguém o resgatasse...E não é exatamente dessa forma que às vezes passamos
a viver cada dia das nossas vidas? Agora vou encontrar alguém que me valorize;
agora fulano vai me amar; agora vou ser recompensado, agora as pessoas vão ser
gratas...
Theo
acabou (ou iniciou) sua jornada descobrindo o mundo sozinho... Ele continuou
com todos os seus fantasmas e dores... Ninguém o salvou, até porque algumas de
nossas dores vão nos acompanhar até o último suspiro... E este é o mistério da
vida...
Estamos
presos de alguma forma à uma, ou várias, história(s) triste(s), uma dor de
abandono, de alguém que não existe mais em nossa vidas, de um amor não
correspondido, de um trabalho que não é mais desejado...
Às
vezes a corrente é pesada demais outras ela é tão leve que nem percebemos...
Mas ela é limitadora... Ela está ali para nos lembrar de que a dor existe...
Que iremos sofrer, que estamos sozinhos para resolver questões íntimas da nossa
vida, que depende só de nós para sermos quem queremos ser.. E que sim, a dor
não é uma escolha, mas passar a vida em sofrimento é...
Desejo
que nossos Pintassilgos possam voar o quanto tiverem fôlego, que se permitam
pousar e apreciar sua jornada, e que possam se desvencilhar da maioria das
correntes e que a outras... As aceite... das correntes e que a outras... As
aceite...